Voltei ao Campo de Santana, dia desses, para conversar com o presidente da Fundação Parques e Jardins, David Lessa. A Fundação fica numa casa instalada dentro do Campo, tem vista para o verde e é um ponto de observação ideal para ver pivetes assaltando transeuntes e moradores de rua tomando banho no lago. Desde a semana passada, passou a ser também um bom ponto para se ver a PM fazendo a ronda em garbosos cavalos, e duplas de guardas municipais em bicicleta. Já é um com começo.
Lessa, que está no cargo há cerca de dois meses, não é estranho à FPJ: era seu diretor de arborização antes de assumir a presidência. Claro que não perdi a oportunidade de perguntar-lhe por que as podas das árvores do Rio são praticamente assassinatos. Sei que há tempos elas são cometidas pela Comlurb, mas continuo sem entender o que a Companhia de Limpeza Urbana tem a ver com árvores.
Lessa me explicou que a transferência de função da FPJ para a Comlurb aconteceu por uma complicada questão de falta e de excesso de contingente, e que ele mesmo, em tese, não é contra. Apenas acha que, já que a Comlurb poda as árvores, deve aprender a fazê-lo. Para isso, criou workshops (com o perdão da palavra) em que funcionários da FPJ ensinam, aos colegas da Comlurb, como proceder a podas menos calamitosas.
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A questão da viabilização do Campo de Santana como espaço público seguro é coisa mais complicada. A limpeza, a eventual poda das árvores e o corte de grama são atribuições da Comlurb. A caça aos traficantes é com a Polícia Civil. A vigilância contínua cabe à Polícia Militar e à Guarda Municipal. A remoção dos moradores de rua fica por conta da Secretaria de Assistência Social. Os gatos abandonados deveriam ser cuidados pela Secretaria de Proteção e Defesa dos Animais, a Sepda, que tem, inclusive, um posto dentro do próprio parque. Acrescente-se a tudo isso um detalhe pequeno, mas fundamental: o Campo de Santana é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, o Inepac, a quem deve ser dirigida toda e qualquer proposta de alteração, por mínima que seja.É por culpa do Inepac que os mais de 400 gatos lá existentes não têm onde se abrigar das chuvas e do frio. O Inepac acredita que, se não pensar nos gatos, eles deixarão de existir, como num passe de mágica; assim, não permite que as casinhas construídas para eles sejam espalhadas ao longo dos muros. As casinhas são verdes, pequenas e não incomodam ninguém, sequer visualmente, mas como Glaziou não previu casinhas de gato em meados do século XIX, quando projetou o Campo, o Inepac deu o contra, assim como deu o contra a um sistema alternativo de manilhas sobrepostas, nas quais os bichinhos também encontrariam abrigo.
Aqui se poderia começar um debate sobre o instituto do tombamento e suas virtudes e defeitos sob a ótica da gestão urbana, mas vou deixar isso para os especialistas na matéria – dos quais, imagino, o Inepac deva estar cheio. Lembro apenas que os pobres gatos não foram para o Campo de Santana de moto próprio, não têm como sair de lá sem que alguém tome providências, e que, até alguém tomar providências, ainda vai chover muito e fazer muito frio por lá.





