
Por Maurílio Luielo
Divaldo Martins, destacado membro da nossa corporação policial, veio a terreiro recentemente, como cidadão (que nele pré-existe) reclamar por uma certa falta de liberdade que pare-ce caracterizar a nossa sociedade nos últimos tempos.
Na perspectiva do Divaldo as pessoas parecem mesmo impedidas de pensar e as que se atrevem a fazê-lo são rotuladas de «Contra». A maioria mesmo prefere engrossar a falange dos «Pró» e desta feita evitar problemas com o «sistema». Disse o Divaldo também que por isso muitas pessoas da sua geração preferem viver caladas e muitos preferem afogar o seu silêncio bebendo excessiva-mente. As reflexões do Divaldo, tão inofensivas quanto isto, suscitaram segundo ele uma reacção inusitada de familiares e amigos que, movidos das melhores intenções obviamente o aconselharam a ter cuidado, a não se meter com o sistema, enfim, a viver calado.
Subscrevo por inteiro as teses do Divaldo pois vivo diariamente experiência semelhante. Desde que há cerca de nove meses começou a saga de «Ovisonehua» tenho me confrontado com estes dois grupos de pessoas: aquelas que consideram ser um enorme atrevimento da minha parte emitir opiniões como o tenho feito e aquelas que, de maneira geral, concordam com as minhas opiniões e me encorajam a prosseguir. Os primeiros geralmente se apresentam como amigos ou enviam recados por via de pessoas que me são próximas aconselhando- me a desistir desta «empreitada» ou limitar-me a escrever sobre bioquímica e medicina (sou médico e ensino bioquímica na Faculdade de Medicina).
Dizem eles que escrevendo desta forma me arrisco a comprometer definitivamente a minha carreira profissional que, diga-se de passagem, vai bem e obrigado! Mas, para mim, o maior indicador do deficit de liberdade que caracteriza a nossa sociedade hoje é o facto de que entre os elogios que me são mais frequentemente dirigidos é de que eu sou muito corajoso. Corajoso pelo simples facto de questionar algumas posições públicas de pessoas do establishment!!!
Ou seja aquilo que para mim é um mero exercício de cidadania é visto por muita gente como um acto de coragem. Só isto ilustra bem como anda engatinhando a nossa democra-cia, sete anos depois do alcance definitivo da Paz e um ano após a realização das eleições legislativas. O Divaldo entende que este estado de coisas se deve sobretudo a uma auto-demissão das pessoas que, para se esquivar, atribuem responsabilidade a este ente intangível que é o «sistema». Considero, que não é de todo inocente esta justificação e também entendo que o sistema não é tão intangível como parece.
Existe de facto uma acção concertada que visa condicionar as pessoas e mantê-las dóceis aos desígnios do «sistema». A estratégia inclui ac-ções aparentemente desconexas mas totalmente integradas que visam intimidar e condicionar a progressão social das pessoas e os exemplos infelizmente são muitos. Contudo, entendo que a resposta para se opor a isso não é a resignação mas o enfrenta-mento, pelos meios disponíveis, e, os jornais, ao veicularem livre-mente opiniões diferentes cons-tituem um espaço privilegiado para o efeito.
Como diz Alexis Tocqueville «... para se viver livre é necessário habituar-se a uma existência plena de agitação, de movimento, de perigo; velar sem cessar e lançar a todo o momento um olhar inquieto em torno de si: este é o preço da liberdade». Isto significa que a liberdade não se compadece com o medo pois ela não é oferecida de bandeja mas sim resulta de luta, a liberdade é uma conquista e por isso deve-mos vigiar para que ela não nos seja subtraída. Diz Thomas Jeffer-son que «o preço da liberdade é a eterna vigilância». Ceder à inti-midação seria por isso renunciar à liberdade e aceitar a opressão e a humilhação, isto é, renunciar à cidadania. Depende de nós o ca-minho a trilhar pois como tam-bém nos alerta Tocqueville «... na diversidade de caminhos que as nações podem percorrer para a realização da democracia o factor mais importante para defini-los é a acção política do seu povo».
Depende de nós, angolanos, se cedemos à intimidação e renun-ciamos à liberdade ou lutamos por nossa liberdade exercendo a cidadania. A história de Angola é, todavia, uma história de luta e de conquistas, que permitiu pôr cobro à opressão e humilhação colonial, derrubar a «ditadura do proletariado» e estou certo que este espírito de luta não permitirá que um punhado de angolanos se aproveite dos privilégios que obtêm do exercício do poder para subjugar todo um povo. A escolha dos angolanos será inequivocamente pela liberdade e a verdadeira democracia.
Para Stuart Mill «a liberdade não é um luxo que deve interessar apenas a uma minoria esclarecida; ela é antes de mais nada o substrato necessário para o desenvolvimento de toda a humanidade. E o é principalmente porque ela torna possível a manifestação da diversidade, a qual, por sua vez, é o ingrediente necessário para se alcançar a verdade». Entende ainda Mill que «o dano peculiar de silenciar a expressão de uma opi-nião é o de que se está roubando à raça humana, tanto a posteridade quanto a geração actual e ainda mais aqueles que discordam da opinião do que aqueles que a sus-tentam. Se a opinião é correcta, eles são privados da oportunida-de de trocar o erro pela verdade; se é errónea, eles perdem – o que é quase um tão grande benefício – a percepção mais clara e a im-pressão mais vívida da verdade, produzidas por sua colisão com o erro».
Liberdade e Igualdade são os mais elevados valores da democracia e que inspiram a Carta Universal dos Direitos Humanos. Retomando Alexis Tocqueville podemos entender que «é a igualdade que torna os homens inde-pendentes uns dos outros, que os faz contrair o hábito e o gosto de seguir apenas a sua vontade em suas acções particulares, e esta inteira independência de que gozam, em relação a seus iguais, os predispõe a considerar com descontentamento toda autoridade e lhes sugere logo a ideia e o amor da liberdade política».
Isto sugere que embora as instituições possam ajudar na manutenção das liberdades e direitos fundamentais, é na acção política dos cidadãos que reside a garantia de sua existência real na democracia. As eleições de 2008 consagraram uma verdadeira «tirania da maio-ria» e a insensibilidade e arrogância que caracterizaram a acção do executivo neste primeiro ano sugerem isso mesmo. Sem contrapor uma acção política à altura seria oferecer terreno à acção desta tirania que ameaça nossas incipientes conquistas democráticas. Calarmo-nos diante de tantas tropelias é sermos permissivos ao autoritarismo que ameaça ostensivamente nossa existência democrática.
Por isso aqueles que se deixaram dominar pelo medo deveriam ao menos permitir que aqueles que ainda levantam suas vozes o façam a fav or da liberdade comum e da democracia pois a liberdade de expressão é a mais elementar das liberdades.■
Fonte: SA, Edição 335 , 26 de Setembro de 2009
Divaldo Martins, destacado membro da nossa corporação policial, veio a terreiro recentemente, como cidadão (que nele pré-existe) reclamar por uma certa falta de liberdade que pare-ce caracterizar a nossa sociedade nos últimos tempos.
Na perspectiva do Divaldo as pessoas parecem mesmo impedidas de pensar e as que se atrevem a fazê-lo são rotuladas de «Contra». A maioria mesmo prefere engrossar a falange dos «Pró» e desta feita evitar problemas com o «sistema». Disse o Divaldo também que por isso muitas pessoas da sua geração preferem viver caladas e muitos preferem afogar o seu silêncio bebendo excessiva-mente. As reflexões do Divaldo, tão inofensivas quanto isto, suscitaram segundo ele uma reacção inusitada de familiares e amigos que, movidos das melhores intenções obviamente o aconselharam a ter cuidado, a não se meter com o sistema, enfim, a viver calado.
Subscrevo por inteiro as teses do Divaldo pois vivo diariamente experiência semelhante. Desde que há cerca de nove meses começou a saga de «Ovisonehua» tenho me confrontado com estes dois grupos de pessoas: aquelas que consideram ser um enorme atrevimento da minha parte emitir opiniões como o tenho feito e aquelas que, de maneira geral, concordam com as minhas opiniões e me encorajam a prosseguir. Os primeiros geralmente se apresentam como amigos ou enviam recados por via de pessoas que me são próximas aconselhando- me a desistir desta «empreitada» ou limitar-me a escrever sobre bioquímica e medicina (sou médico e ensino bioquímica na Faculdade de Medicina).
Dizem eles que escrevendo desta forma me arrisco a comprometer definitivamente a minha carreira profissional que, diga-se de passagem, vai bem e obrigado! Mas, para mim, o maior indicador do deficit de liberdade que caracteriza a nossa sociedade hoje é o facto de que entre os elogios que me são mais frequentemente dirigidos é de que eu sou muito corajoso. Corajoso pelo simples facto de questionar algumas posições públicas de pessoas do establishment!!!
Ou seja aquilo que para mim é um mero exercício de cidadania é visto por muita gente como um acto de coragem. Só isto ilustra bem como anda engatinhando a nossa democra-cia, sete anos depois do alcance definitivo da Paz e um ano após a realização das eleições legislativas. O Divaldo entende que este estado de coisas se deve sobretudo a uma auto-demissão das pessoas que, para se esquivar, atribuem responsabilidade a este ente intangível que é o «sistema». Considero, que não é de todo inocente esta justificação e também entendo que o sistema não é tão intangível como parece.
Existe de facto uma acção concertada que visa condicionar as pessoas e mantê-las dóceis aos desígnios do «sistema». A estratégia inclui ac-ções aparentemente desconexas mas totalmente integradas que visam intimidar e condicionar a progressão social das pessoas e os exemplos infelizmente são muitos. Contudo, entendo que a resposta para se opor a isso não é a resignação mas o enfrenta-mento, pelos meios disponíveis, e, os jornais, ao veicularem livre-mente opiniões diferentes cons-tituem um espaço privilegiado para o efeito.
Como diz Alexis Tocqueville «... para se viver livre é necessário habituar-se a uma existência plena de agitação, de movimento, de perigo; velar sem cessar e lançar a todo o momento um olhar inquieto em torno de si: este é o preço da liberdade». Isto significa que a liberdade não se compadece com o medo pois ela não é oferecida de bandeja mas sim resulta de luta, a liberdade é uma conquista e por isso deve-mos vigiar para que ela não nos seja subtraída. Diz Thomas Jeffer-son que «o preço da liberdade é a eterna vigilância». Ceder à inti-midação seria por isso renunciar à liberdade e aceitar a opressão e a humilhação, isto é, renunciar à cidadania. Depende de nós o ca-minho a trilhar pois como tam-bém nos alerta Tocqueville «... na diversidade de caminhos que as nações podem percorrer para a realização da democracia o factor mais importante para defini-los é a acção política do seu povo».
Depende de nós, angolanos, se cedemos à intimidação e renun-ciamos à liberdade ou lutamos por nossa liberdade exercendo a cidadania. A história de Angola é, todavia, uma história de luta e de conquistas, que permitiu pôr cobro à opressão e humilhação colonial, derrubar a «ditadura do proletariado» e estou certo que este espírito de luta não permitirá que um punhado de angolanos se aproveite dos privilégios que obtêm do exercício do poder para subjugar todo um povo. A escolha dos angolanos será inequivocamente pela liberdade e a verdadeira democracia.
Para Stuart Mill «a liberdade não é um luxo que deve interessar apenas a uma minoria esclarecida; ela é antes de mais nada o substrato necessário para o desenvolvimento de toda a humanidade. E o é principalmente porque ela torna possível a manifestação da diversidade, a qual, por sua vez, é o ingrediente necessário para se alcançar a verdade». Entende ainda Mill que «o dano peculiar de silenciar a expressão de uma opi-nião é o de que se está roubando à raça humana, tanto a posteridade quanto a geração actual e ainda mais aqueles que discordam da opinião do que aqueles que a sus-tentam. Se a opinião é correcta, eles são privados da oportunida-de de trocar o erro pela verdade; se é errónea, eles perdem – o que é quase um tão grande benefício – a percepção mais clara e a im-pressão mais vívida da verdade, produzidas por sua colisão com o erro».
Liberdade e Igualdade são os mais elevados valores da democracia e que inspiram a Carta Universal dos Direitos Humanos. Retomando Alexis Tocqueville podemos entender que «é a igualdade que torna os homens inde-pendentes uns dos outros, que os faz contrair o hábito e o gosto de seguir apenas a sua vontade em suas acções particulares, e esta inteira independência de que gozam, em relação a seus iguais, os predispõe a considerar com descontentamento toda autoridade e lhes sugere logo a ideia e o amor da liberdade política».
Isto sugere que embora as instituições possam ajudar na manutenção das liberdades e direitos fundamentais, é na acção política dos cidadãos que reside a garantia de sua existência real na democracia. As eleições de 2008 consagraram uma verdadeira «tirania da maio-ria» e a insensibilidade e arrogância que caracterizaram a acção do executivo neste primeiro ano sugerem isso mesmo. Sem contrapor uma acção política à altura seria oferecer terreno à acção desta tirania que ameaça nossas incipientes conquistas democráticas. Calarmo-nos diante de tantas tropelias é sermos permissivos ao autoritarismo que ameaça ostensivamente nossa existência democrática.
Por isso aqueles que se deixaram dominar pelo medo deveriam ao menos permitir que aqueles que ainda levantam suas vozes o façam a fav or da liberdade comum e da democracia pois a liberdade de expressão é a mais elementar das liberdades.■
Fonte: SA, Edição 335 , 26 de Setembro de 2009





